Cartões postais para dias sem paisagens — 6

Querida,

A casa em declínio é o clichê do clichê, e tudo continua caindo. No corpo a pele ficou intolerante a 100% das máscaras que possuo. É como se eu tivesse comido, a seco, todo o conteúdo do vidro de curry verde. Ou cinco ou seis pratos do restaurante tailandês que tanto amávamos — será que resiste, naquela rua de pedras? — calibrados na potência máxima da picância. O Word não reconhece “picância” nem “curry”. Hoje à tarde, na reunião, vou ter que explicar a reação alérgica à pff2, ou escapar das perguntas com mil camadas de maquiagem. Se o Átila estiver certo, só vou poder sair de casa de novo em uns quatro anos. Tem dias que até nem parece má ideia. Os passeios com o cachorro às seis da manhã poderiam ser feitos sem máscara, mas além de ter de atravessar, corredor, elevador, escadas do prédio, meu pavor maior é ser confundida com uma bolsonarista negacionista. O Word também sublinha de vermelho serrilhado “bolsonarista” e “negacionista”. Me pergunto se as máscaras dos Clóvis nos protegeriam. Certamente de alguma coisa. Por ora, às armas entregues pela farmácia. Usei a porta despencada do banheiro como escudo de proteção.

Te mando um beijo da minha trincheira,